Uma oferenda aos deuses da sacanagem

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Não sei por que, no Brasil, o jogo de azar é proibido enquanto a adivinhação é liberada. Talvez porque uma leve à ruína financeira, e outra, ao fim das esperanças. Afinal, sempre fomos um povo desiludido, inclusive no sentido de sempre acreditar que podemos equilibrar nosso orçamento, tirando de uma área para suprir outras. Que o digam os fiscais da Receita.

Mas as atividades monetárias e espirituais não são tão distintas assim, conforme poderia acreditar o Edir Macedo. O jogo de cartas, por exemplo. Quando se aposta muito ou compulsivamente, na mesa de poker, podemos ter certeza de que o ás é carta do enforcado; as espectativas e os resultados se misturam. Seja consultando a cigana ou o croupier, estamos sempre atrás da prosperidade financeira e de outras, que vêm de brinde. No final, como sabemos, a banca sempre acaba ficando com tudo.

No entanto, nem toda aposta no futuro envolve desperdício de dinheiro. Questões que envolvem o cortejo amoroso quase sempre dependem de condições financeiras. Antigamente, por exemplo, existia o dote, uma espécie de pagamento que a família da noiva fazia à família do noivo; e a classe social de ambos tinha que ser igual ou equivalente. Hoje, é bem verdade que quase nada mudou, senão nas aparências; consultando ou não um astrólogo, uma pessoa abastada tem certeza de que vai encontrar seu par perfeito; mas a mesma fortuna (em ambos os sentidos…) não costuma contemplar os mais pobres.

Questões de astrologia, aliás, estão entre as práticas espirituais mais bem sucedidas do mundo material -perdendo somente para o dízimo e a Fogueira Santa de Israel, provavelmente. Impressionante como os astros são perspicazes em suas previsões! No meu horóscopo diário, por exemplo, eu sempre leio que o dia será propício para travar contatos e, voilà, não passo um dia sequer sem falar com alguém! É claro que nem sempre alguém com o meu mesmo signo vai ler o horóscopo e passar pela mesma situação, eu compreendo; alguém como, por exemplo, um presidiário numa solitária pode ter ascendente na casa de Áries, é claro, é perfeitamente compreensível… É engraçado porque não sei o que Saturno ganha com isso, mas, o que um astrólogo leva, isso eu já imagino.

Uma coisa, porém, é certa: a felicidade do brasileiro nunca está sujeita a catástrofes monetárias. Brasileiro que é brasileiro adora um jogo, uma maneira honesta de tapear a vida, de bater no jogo de buraco antes que ela reivindique o morto. Assim é que um sujeito paga 50 contos para ver, contente, o time levar um sacode no estádio, da arquibancada. Ou o resto do que tinha para ouvir da cartomante que vai fazer aquela viagem maravilhosa nas férias -que talvez fizesse, se não tivesse gastado seus tostões com adivinhos…

No Brasil, é normal ficar de braços cruzados enquanto acontece um terremoto de 5 graus na escala da conta corrente. E é normal também que o governo crie um imposto para isso. Afinal, se tudo der errado, como inexplicavelmente dá, basta jogar a culpa na tribo de cabelos loiros e olhos azúis. Uga-buga.

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